Escritor Homenageado


Camillo de Jesus Lima

Camillo de Jesus Lima (1912/1975) é o escritor que dá nome ao espaço onde acontece a FliConquista, o Centro de Cultura, equipamento estadual que abriga inúmeras manifestações artísticas.

Também, é o nosso escritor homenageado, visto sua produção literária e sua presença nos circuitos literários do século XX. Baiano, nascido em Caetité, na cena conquistense, conviveu com outros escritores e expressou, na sua obra o desejo de liberdade, sendo mais um dos violentados por bradar a palavra como direito. Tem obra poética vasta, de sonetos clássicos a versos livres, críticas e outros inéditos. Sua força poética, ainda jovem, denunciava a escravidão e, nesse mote, nasce o poeta dos ideais do bem comum, da igualdade, da justiça, conclamando a liberdade.

Parte da obra de Camillo de Jesus Lima foi publicada pela Alba Cultural, (Assembleia Legislativa do Estado da Bahia), em dois volumes, em 2014, e foi prefaciada pelo, também, escritor, José Mozart Tanajura.

“A Canção da Guerrilheira”

Prendi meus cabelos com um lenço vermelho;

Alcei ao ombro o meu fuzil
E me pus a caminho, naquela tarde de sol
Em que disseram que êles viriam nos fazer escravos.
Minhas mãos que, antes, teciam, na fábrica, o linho mais puro,
E que tinham carícias de arminho se afagavam a face do homem amado
Quando voltava do campo,
Não tremeram de mêdo ao amarrarem na minha cabeça loira o meu
[lenço vermelho.
Estavam nervosas apenas de ansiedade.
Eu não fiquei em casa como um traste inútil,
Enquanto, ao sol, êle semeava o trigo
Para que o pão não faltasse aos inválidos, às viúvas e aos órfãos dos
[proletários.
Não! Eu não quis ficar á espera do guerrilheiro,
Como uma escrava inferior, enquanto êle se bate
Para que, no mundo, não haja escravo nem senhor.
Por isso é que eu aprendi meus cabelos loiros com um lenço vermelho,
Alcei ao ombro o meu fazil
E me pus a caminho, naquela tarde.
Que diria de mim a geração que virá
Que não conhecerá escravos nem senhores,
Se eu ficasse à espera dêle, de mãos cruzadas, como uma escrava,
Enquanto o sangue redimia a terra?

Camillo de Jesus Lima.

O ilustre professor e poeta Camillo de Jesus Lima (1912-1975) é um dos mais notáveis de sua geração. Além do magistério, exerceu intensa atividade crítica, jornalística e política, essa última lhe rendeu uns tempos de prisão durante o governo Geisel. Os amigos contam que desde os primeiros anos da juventude, Camillo era animado pelas ideias socialistas, alguns dizem que por influência do pai, o professor Chico Fagundes, um homem erudito (lia Shakespeare no original, segundo Camillo) e pouco dado à fé.

Por conta do seu ânimo político, Camillo foi preso em maio de 1964 em Macarani, onde exercia o cargo de tabelião, e por esta época também foram detidos, segundo conta Emiliano José, aproximadamente uns vinte outros homens, dentre eles estava o prefeito de Vitória da Conquista, José Fernandes Pedral Sampaio; o vereador Péricles Gusmão Régis; o bancário Reginaldo Santos, editor do jornal “O Combate”; o advogado Raul Carlos Andrade Ferraz, que viria a se tornar prefeito de Conquista e depois deputado federal; o secretário municipal de educação do governo Pedral, Everardo Públio de Castro; mais uma série de outros comerciantes, comerciários, radio-técnicos, bancários e estudantes.

Desses, alguns foram liberados de imediato, outros como Camillo continuaram presos e, posteriormente, foram deportados para o Quartel de Amaralina, em Salvador. Sobre o nome de Camillo pesavam indecisas acusações: uma delas era de ser membro PCB, outra de integrar a Frente de Libertação Nacional e ainda de ser do Grupo dos Onze de Brizola. Na prisão, onde ficaram incomunicáveis, Othon Jambeiro fez colocar a insígnia de Dante: “LASCIATE OGNI SPERANZA VOI CHE ENTRATI”.

Tempos depois, os presos seriam vistos pelo próprio general Geisel que, ao se deparar com a inscrição, comentou que havia intelectuais ali. Ao ouvi-lo, Camillo, o “lutador primevo”, teria dito: “General, intelectuais somos todos os que aqui estamos. E intelectuais lutando por uma causa justa”. Lutar é um dos verbos mais presentes na lírica de Camillo. Era a sua forma de enfrentamento do mundo.

Sei que o prendo e me mata, sei que luto. Embora

Morra, jamais terei o labéu de covarde.

(Luta Íntima, Poemas, 1942).

Além do livro “Poemas”, que lhe valeram o “Prêmio Raul de Leoni” da Academia Carioca de Letras e o título de “O Maior Poeta Moço do Brasil” no ano de 1942, Camillo escreveu outros livros de poesia, como: “As Trevas da Noite Estão Passando”, “Viola Quebrada”, “Novos Poemas”, “Cantigas da Tarde Nevoenta”, “A Mão Nevada e Fria da Saudade”, “O Livro de Mirian” e “Cancioneiro do Vira Mundo”, além do livro de contos: “A bruxa do Fogão Encerado” mais o romance “Tristes Memórias do Professor Mamede Campos”. Algumas dessas publicações saíram pela editora de “O Combate”, um periódico fundado em 1929 por Laudionor Brasil e que também era uma espécie de sociedade literária da época.

Sobre o prêmio da Academia Carioca, convém mencionar o que Camillo anotou em seu diário. Escreveu o poeta que a escolha do seu livro, dentre mais de 60 concorrentes, representou a maior surpresa de sua vida, todavia ainda lhe valeu a solidariedade dos amigos. Porque, sem recurso algum para ir ao Rio de Janeiro receber a premiação, os companheiros e admiradores do poeta fizeram uma lista e custearam a viagem em 1943 em uma sessão especial daquela academia, a qual assevera: “Uma longa estada no Rio abriu-me os olhos para um mundo mais vasto e para uma vida diferente”. Anos mais tarde, Camillo se filiaria ao Partido Comunista do Brasil e, pelos jornais para os quais escrevia em Salvador e Vitória da Conquista, dá início a um certo volume de artigos de caráter popular e socialista, para melhor “enfrentar a injustiça social e o embuste”.

Falando dos periódicos que Camillo colaborava, é bom lembrar que em torno d’O Combate, por exemplo, os poetas reuniam-se “para maior eco vingador de seus cânticos”, como assinalou Carlos Chiacchio. O professor Mozart Tanajura nos diz que jamais houve noutra cidade do interior baiano poetas de linhagem tão singular: “Foi um período áureo, em que floresceram as mais belas manifestações do espírito através do verso e da prosa”. Por isso mesmo, houve que dissesse que “O Combate” era o “Parnaso do Hinterland Baiano”.

A esfera da poesia de Camillo se depara muitas vezes com este mundo, qual possibilidade do poeta “uivar com o verso, / entre a névoa burguesa”, como escreveu Maiakówiski. Assim, o passado, a posição social e as comiserações da gente estão inteiramente a serviço da poesia de Camillo, para também substituir as suas faltas mais insidiosas pela luta, pela arguição de força e luta. Símbolo do conjunto de toda uma gente à sua volta, a poesia encontra-se numa posição de encantamento, aliás, o encantamento é o pressuposto de toda arte dramática.

Em sua primeira edição, ao homenagear Camillo de Jesus Lima, a FliConquista presta homenagem àqueles que fizeram da poesia profissão de fé, sobretudo aos poetas e aos professores que, assim como Camillo, sempre nos oferecem lições de vida e de viver; por isto também dedicamos quase todas as atividades da nossa feira literária ao espaço cultural que leva o seu nome. Isto porque a história do espaço também é marcada pelas ideias de liberdade e independência.

Ocorre que, como notaram os historiadores Esaú Silveira Mendes e Patrício Botelho de Oliveira, os quais tiveram acesso ao grande acervo de periódicos de Carlos Jeohvah de Brito Leite, o qual manteve durante muitos anos o curioso hábito de colecionar notícias sobre Camillo e sobre o Centro de Cultura, a decisão do Governo da Bahia em construir centros culturais começa a circular com mais força nos jornais em julho de 1984 — embora houvesse uma discussão local em Vitória da Conquista desde 1982 porque se comentava que a cidade não estaria nos planos da Fundação Cultural à época.

Aí que entra a atuação decisiva de um jovem admirador de Camillo de Jesus Lima: Vicente Quadros; que, mais tarde, seria diretor do espaço e desempenharia um papel fundamental para inserção do nome do poeta no espaço. Presidente da Casa da Cultura de Vitória da Conquista naquele momento, Vicente, inicialmente, se empenhou para que a prefeitura e a Câmara Municipal de Vereadores fizessem a cessão do terreno para Fundação Cultural do Estado da Bahia construir o Centro de Cultura, com projeto do arquiteto Sílvio Robatto (que, com Jamison Pedra, projetou a Casa de Itapuã de Vinícius de Moraes construída em frente ao farol de Itapuã).

A princípio, o espaço começaria a funcionar a 14 de setembro de 1986 com o nome de Centro de Cultura Regional de Vitória da Conquista e, posteriormente, passaria a se chamar Centro de Cultura Governador João Durval Carneiro. Insatisfeitos com a tal nomeação, segundo Mendes e Oliveira, cerca de 250 artistas e intelectuais se reuniram no Colégio Paulo VI e propuseram a denominação atual. Mas, coube a Vicente Quadros o gesto mais “tempestuoso”. Ele foi até o espaço, arrancou a placa com o nome de João Durval e a sepultou em uma propriedade próxima à cidade de Ribeirão do Largo, onde permaneceu enterrada por mais de vinte anos.

Assim, finalmente, prevaleceu a vontade de escolha da nossa gente sobre o nome do Centro de Cultura. Ou seja, prevaleceu os versos que Camillo de Jesus Lima escreveu no poema “Imortal”, do livro “As Trevas da Noite Estão Passando”, os quais também servem para louvor dos lutadores e lutadoras da Independência do Brasil na Bahia:

 

Nada deterá o ímpeto tempestuoso do teu povo

Quando ele se levantar de novo

Para a reconquista da LIBERDADE.

 

Em 2014, por ocasião da publicação da “Obra Poética” (em dois volumes) de Camillo pela Assembleia Legislativa da Bahia, Ruy H. A. Medeiros assinalou que a produção do poeta é extensíssima, porém lamentou que o autor, antes tão conhecido, tivesse um pequeno o número de leitores com “acesso a sua valorosa obra”, atualmente. Assim sendo é que a FliConquista se junta aos votos do pesquisador Ruy Medeiros e, claro, de José Mozart Tanajura para que todos quantos se ocupam com os destinos da arte e da vida, da liberdade e da autonomia, possam se apossar deste poeta que lutou com palavras contra a violência e a “voragem da guerra; / Os ais de desespero de todos os pais que não têm mais pão para os filhos” (As Trevas da Noite Estão Passando…) e insistiu solerte “Pedindo compaixão para os escravos, / E liberdade para todos os homens” (Ioiô Castro Alves).

 

Salve Camillo, o grande mestre da “Lição”; que escreveu que empedernir-se e/ou morrer é quando nos falta a coragem de lutar “Para que a Liberdade não pereça”. Salve Camillo, que rugiu contra a opressão, a raiva e a “cruerdade”, e, contudo poetou sobre a paixão e a saudade, acalentou o amor, aquela “frô que não morre nunca” porque é continuamente “viva [e] sempre nova” (Viola Quebrada).

 Elton Becker

 

“Acho uma coisa formidável que a Bahia possua no interior do Estado, provincianos (no melhor sentido do termo) e universais pelo conteúdo, dois poetas como Sosígenes Costa e você, Camillo”.

Jorge Amado, depoimento sobre Camillo de Jesus Lima